Dia do Surdo: 168 anos de história, superação e os desafios ainda enfrentados em Manaus

Em 26 de setembro de 1857, no Rio de Janeiro, era fundado o Imperial Instituto de Surdos-Mudos — atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) —, marcando o início oficial da educação de surdos no Brasil. Desde então, a data se tornou símbolo de luta, resistência e afirmação da identidade surda. Mais de um século e meio depois, os avanços são inegáveis, mas os desafios continuam evidentes, especialmente em cidades como Manaus.

O Dia Nacional do Surdo, celebrado em 26 de setembro, não é apenas uma homenagem histórica: é também um alerta para a necessidade de inclusão, acessibilidade comunicacional e valorização da Língua Brasileira de Sinais (Libras). É nesse contexto que histórias como a da jornalista Sandra Monteiro, que vive em Manaus, ganham ainda mais relevância.

“Passei décadas escondendo isso de todo mundo”

A jornalista Sandra Monteiro vive com otosclerose, uma doença hereditária, progressiva e irreversível que causa perda auditiva. Sua trajetória com a surdez começou ainda na adolescência, mas durante anos, ela escondeu a condição por vergonha e falta de diagnóstico.

“Começou na adolescência, por volta dos 14 anos, quando eu comecei a perceber que tinha dificuldade pra ouvir. Mas meus pais entendiam que era desatenta, distraída e nunca me levaram ao médico pra verificar o que podia ser. Muitas vezes eu tive dificuldades no colégio e também nas rodinhas de colegas exatamente por nem sempre conseguir entender o que estava sendo dito.”

“Passei décadas da minha vida escondendo isso de todo mundo. Eu tinha muita vergonha. Eu fiz malabarismos pra conseguir me formar na minha profissão. E olha que ser jornalista não escutando é um pouco complicado, mas eu consegui, graças a Deus.”

Com o tempo, a perda auditiva aumentou, e ela passou a buscar ajuda médica — nem sempre com apoio ou acolhimento.

“Eu já morava aqui em Manaus quando comecei a procurar otorrinos, e dois deles me desanimaram. Um prescreveu um vasodilatador pra eu tomar durante um tempo. E depois de me avaliar, o outro disse: ‘É melhor que você mude de profissão. Comunicação vai ficar bem difícil’. Eu nunca mais voltei no consultório dele.”

Foi apenas em 1991 que Sandra, por meio de um conhecido, conseguiu realizar um tratamento especializado fora de Manaus. No Rio de Janeiro, ela recebeu o diagnóstico correto.

“Lá eu fui avaliada em um centro especializado em otologia. Me diagnosticaram com otosclerose. É uma doença mais prevalente em pessoas brancas, duas vezes mais comum em mulheres, e tem forte fator hereditário. Eu suspeito que tenha herdado da minha avó materna, que, segundo relatos, morreu atropelada por um trem aos 22 anos, em Madureira, no Rio. Provavelmente, ela não ouviu o trem se aproximando.”

O diagnóstico levou a uma cirurgia chamada estapedectomia, que recuperou parte da audição no ouvido direito.

“Na época, eu já tinha perdido 60% da audição. Hoje, fico surpresa com a quantidade de coisas que eu não ouvia e achava que eram normais. Eu vivi assim a vida toda. Agora, com quase 65 anos, decidi criar o blog ‘Vamos Falar de Surdez’, para ajudar outras pessoas que podem estar passando por isso e não sabem que é uma doença — que tem tratamento, que tem solução. A gente pode viver normalmente, sem se esconder, sem vergonha.”

Em Manaus, a exclusão ainda é uma realidade para muitos surdos

Assim como Sandra, milhares de pessoas com deficiência auditiva vivem em Manaus — e grande parte delas enfrenta obstáculos diários para acessar direitos básicos como educação, saúde e comunicação.

Embora iniciativas locais estejam em curso, a cidade ainda carece de políticas públicas mais amplas e estruturadas, principalmente voltadas para a formação em Libras, presença de intérpretes em serviços essenciais, e acesso à educação bilíngue.

Segundo Angela Maria, presidente da Associação de Surdos de Manaus (ASMAN), os avanços existem, mas são insuficientes diante da demanda da população surda:

“A comunidade surda existe, resiste e tem muito a contribuir. Queremos mais inclusão, mais respeito e mais acesso à comunicação. Ainda enfrentamos muitas barreiras para algo básico: ser compreendidos.”

Secretaria reconhece avanços, mas aponta desafios

A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEPcD) afirma que tem investido em ações voltadas para ampliar a inclusão da comunidade surda em Manaus, com foco em formação e conscientização.

Segundo a secretária Selma Banes, a data é essencial para reafirmar o papel da comunidade surda na construção de uma sociedade mais justa:

“O Dia do Surdo é uma data fundamental para dar visibilidade às lutas e conquistas, e à importância da comunidade surda na construção de uma sociedade mais inclusiva. A Secretaria tem avançado em políticas públicas que ampliam a acessibilidade e a promoção das pessoas surdas em Manaus, como a promoção de workshops de Libras e orientações a servidores públicos.”

No entanto, ela reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer:

“Apesar dos avanços, ainda temos desafios a superar — especialmente na ampliação do acesso à educação, à comunicação acessível e à inserção plena no mercado de trabalho.”

168 anos depois, o que o Dia do Surdo ainda nos ensina?

Celebrado anualmente em 26 de setembro, o Dia Nacional do Surdo é um marco da luta por direitos, inclusão e reconhecimento da cultura e identidade surda. A data faz referência à fundação do INES, mas seu significado vai muito além de um registro histórico.

É um lembrete de que a inclusão real exige escuta ativa, políticas públicas efetivas e respeito à diversidade comunicacional.

Enquanto histórias como a de Sandra Monteiro inspiram e conscientizam, elas também mostram que a surdez não é um obstáculo para realizar sonhos — mas a falta de apoio e estrutura, sim, pode ser.

Por Erike Ortteip, da redação da Jovem Pan News Manaus

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