A carne de animais silvestres desempenha papel crucial na dieta, na cultura e na economia dos povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores da Amazônia, abrangendo nove países. Um estudo divulgado na Nature, com participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), revela que a preservação da floresta é essencial para garantir o acesso à carne de caça e sustentar os modos de vida dessas populações.
O estudo inédito compilou dados de quase 60 anos, entre 1965 e 2024, em 625 localidades, analisando 447.438 registros de caça de 490 espécies de tetrápodes — incluindo mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Entre eles, 20 grupos de animais representam 72% dos indivíduos caçados, com destaque para queixada, anta e paca, sendo esta última a espécie mais caçada.
A pesquisa estima que a carne de caça é suficiente para suprir quase metade das necessidades diárias de proteína e ferro de 11 milhões de habitantes rurais da Amazônia, além de fornecer vitaminas do complexo B e zinco, essenciais à saúde humana.
Ameaças do desmatamento
O desmatamento compromete diretamente esses sistemas alimentares. Em áreas com mais de 70% da floresta perdida — cerca de 500 mil km² —, houve redução de 67% na quantidade de animais e na produtividade da carne. Nessas regiões, espécies generalistas como tatus, capivaras e pombas predominam, especialmente próximas a centros urbanos, enquanto espécies especialistas, que dependem de habitats específicos, são mais vulneráveis à degradação.
Cultura e conhecimento tradicional
Segundo André Antunes, ecólogo da RedeFauna e primeiro autor do estudo, a caça tradicional é regulada por saberes, regras e práticas culturais que existem há milênios. “Proteger a Amazônia garante biodiversidade, saúde, segurança alimentar e a continuidade dos modos de vida de milhões de habitantes rurais”, afirma.
O levantamento contou com 59 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais, incluindo a participação de pesquisadores indígenas de dez povos da Amazônia — Surui, Paumari, Katukina, Baniwa, Waurá, Apurinã, Tikuna, Kaxinawá, Kuikuro e Kaixana — e extrativistas locais. Essa coprodução de conhecimento científico e tradicional, segundo Dzoodzo Baniwa, líder indígena, promove justiça epistêmica e fortalece a ciência amazônica.
Impacto econômico e ambiental
Anualmente, mais de meio milhão de toneladas de biomassa animal é extraída da Amazônia, correspondendo a cerca de 0,37 milhão de toneladas de carne comestível, com valor econômico estimado em US$ 2,2 bilhões. O estudo alerta que substituir a carne de caça por carne de animais domésticos exigiria a conversão de até 64.000 km² de floresta em pastagens, liberando até 1,16 bilhão de toneladas de CO₂ e reduzindo a qualidade nutricional da dieta local.
Os pesquisadores reforçam que políticas que proíbem ou substituem a carne silvestre sem considerar o contexto cultural e ecológico da região podem comprometer a autonomia dos povos amazônicos e a conservação da biodiversidade. Incentivar o manejo sustentável da fauna, respeitando os saberes tradicionais, é o caminho para conciliar conservação ambiental e segurança alimentar.
Com informações da Assessoria.
Por Erike Ortteip, da redação da Jovem Pan News Manaus.






