Trabalhadores acionam a Justiça contra a Volkswagen por trabalho análogo à escravidão no Pará

Ações individuais pedem indenização por danos morais e existenciais por violações ocorridas nas décadas de 1970 e 1980
Foto: Volkswagen/Divulgação

Quatro trabalhadores que afirmam ter sido submetidos a regime análogo à escravidão em uma propriedade ligada à Volkswagen do Brasil, no sul do Pará, ingressaram com ações individuais na Justiça do Trabalho para pedir reparação financeira. Os casos ocorreram durante a ditadura civil-militar, entre as décadas de 1970 e 1980.

Cada trabalhador solicita R$ 1 milhão por danos morais e R$ 1 milhão por danos existenciais. As ações tramitam na Vara do Trabalho de Redenção, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), com prioridade processual em razão da idade das vítimas e da natureza das denúncias.

Os processos individuais decorrem de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que pede R$ 165 milhões por danos morais coletivos, além de retratação pública e adoção de medidas preventivas, como protocolos internos, canal de denúncias e ações de fiscalização. Nessa ação coletiva, a empresa foi condenada em agosto deste ano, mas recorreu da decisão.

Fazenda no Pará

Os trabalhadores relatam que foram submetidos a condições degradantes na Fazenda Vale do Rio Cristalino, localizada em Santana do Araguaia (PA). A propriedade pertencia à Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria (CVRC), subsidiária da Volkswagen à época. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a área possui cerca de 140 mil hectares e recebeu incentivos fiscais e recursos públicos para a criação de gado, o que, segundo a pasta, amplia a responsabilidade institucional da empresa.

Em maio deste ano, representantes do ministério estiveram em Redenção para acompanhar uma mobilização organizada por movimentos sociais, sindicatos, universidades e parlamentares.

Aliciamento e denúncias

As denúncias chegaram às autoridades por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que documentou os relatos e acompanha os processos judiciais. Conforme a entidade, os trabalhadores foram aliciados por intermediários conhecidos como “gatos”, que prometiam trabalho e remuneração.

De acordo com a CPT e o Coletivo Veredas, organização de advocacia popular que atua no caso, os trabalhadores foram recrutados para atividades como derrubada de vegetação nativa, formação de pastagens e serviços de construção civil. A chamada Fazenda Volkswagen operou entre 1974 e 1986.

O advogado José Vargas, do Coletivo Veredas, afirmou que a montadora tentou sustentar, no processo do MPT, que as práticas adotadas na época eram comuns e não configuravam ilegalidade. Segundo ele, houve tentativa de justificar a servidão por dívida, caracterizada quando o trabalhador tem sua liberdade restringida sob a alegação de débitos com o empregador.

Relato de uma vítima

Um dos autores das ações, identificado como Isaías (nome fictício), relata que foi aliciado ainda adolescente, junto com outros jovens do Mato Grosso, para trabalhar na fazenda no Pará. Segundo o relato, eles abandonaram os estudos acreditando que permaneceriam no local por cerca de um mês.

O trabalhador afirma que permaneceu na fazenda por aproximadamente três meses, vivendo em barracas precárias, sem condições adequadas de higiene ou alimentação, sob vigilância armada. Relata ainda que os custos com transporte e alimentação eram registrados como dívidas, impedindo a saída do local.

A liberação ocorreu após os jovens alegarem que precisariam retornar para o alistamento militar obrigatório. Mesmo assim, deixaram a fazenda sem pagamento e retornaram ao estado de origem com ajuda de terceiros e apoio da CPT.

Defesa da empresa

Procurada, a Volkswagen do Brasil informou que continuará buscando segurança jurídica no Judiciário. Em nota, afirmou que cumpre a legislação trabalhista brasileira e declarou compromisso com princípios de responsabilidade social e dignidade humana.

Trabalho escravo contemporâneo

Pela legislação brasileira, configura trabalho análogo à escravidão a atividade exercida sob coerção, restrição de liberdade, condições degradantes, jornadas exaustivas ou servidão por dívida. A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) considera jornada exaustiva aquela que compromete a saúde física ou mental do trabalhador e condições degradantes aquelas que violam direitos básicos relacionados à dignidade, saúde, segurança e moradia.

Como denunciar

Denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas de forma anônima pelo Sistema Ipê, canal oficial para registro desse tipo de violação.

*A identidade do entrevistado foi alterada para preservação de sua segurança.

 

 

Com informações da Agência Brasil*

Por Haliandro Furtado — Redação da Jovem Pan News Manaus