Facções ampliam controle sobre extração ilegal de ouro e já atuam em 45% dos municípios da Amazônia Legal, aponta estudo

Relatório revela avanço do crime organizado na região e cobrança de mensalidades impostas por grupos criminosos a garimpeiros em Mato Grosso

Mensagens enviadas por integrantes do Comando Vermelho (CV) a garimpeiros que atuam em Alta Floresta, no Mato Grosso, mostram a criação de um sistema de cadastro e cobrança mensal obrigatória para quem opera balsas e escarientes na extração mineral ilegal. Os comunicados circulam por grupos de WhatsApp desde outubro e estabelecem regras, valores e punições para quem não seguir as determinações impostas pela facção.

Em uma das mensagens, à qual a Agência Brasil teve acesso, o grupo criminoso afirma que “todos os trabalhos ilegais dentro do estado de Mato Grosso são prioridade e voltados à organização”. O CV também fixa datas para pagamento — entre os dias 1º e 8 de cada mês — e valores diferenciados conforme o equipamento usado na atividade.

O texto inclui ameaças diretas a quem descumprir as ordens:

“Lembrando que aqueles que não estiverem fechando com nós será liberado o mesmo ser roubado e também ser brecado de trabalhar. Se por acaso insistir será queimado sua máquina e poderá perder até mesmo a própria vida por estar batendo de frente”, diz um dos trechos.

O avanço territorial das facções na região é detalhado em um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta quarta-feira (19), durante evento no espaço oficial da COP30, em Belém. A 4ª edição do Cartografias da Violência na Amazônia mostra que organizações criminosas já atuam em 45% dos municípios da Amazônia Legal — 344 das 772 cidades — um aumento de 32% em relação a 2024.

Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP:

“o estudo mostra que essas facções, majoritariamente ligadas ao narcotráfico, veem na Amazônia e nos crimes ambientais novas formas de ganhar dinheiro e lavar dinheiro”.

Ela destaca que o país precisará encarar a intersecção entre crime organizado e crimes ambientais.

Se isso já era um problema apenas do crime ambiental, quando chega o narcotráfico, ganha outro contorno. (…) Nenhuma solução pode ser bem pensada no Brasil sem cidadania e segurança nos territórios”, afirmou.

O levantamento aponta a presença de 17 facções criminosas em atividade na Amazônia Legal, entre grupos nacionais, regionais e estrangeiros. O Comando Vermelho domina 202 municípios e disputa espaço em outros 84. O Primeiro Comando da Capital (PCC) exerce influência em 90 cidades, com atuação hegemônica em 31 delas. Há ainda grupos como Tropa do Castelar, Bonde dos 40, Amigos do Estado e organizações internacionais como Tren de Aragua e EMC.

Além do controle de rotas do tráfico, as facções expandem sua influência sobre atividades ilegais como garimpo, exploração de madeira e uso de pistas clandestinas. O relatório destaca que a Pan-Amazônia se tornou corredor prioritário para envio de cocaína a Europa, América do Norte, África e Oceania.

O estudo também revela que a Amazônia Legal registrou 8.047 mortes violentas intencionais em 2024, com taxa de 27,3 por 100 mil habitantes — 31% acima da média nacional. O Amapá aparece como estado mais violento da região, enquanto o Maranhão foi o único a ter aumento nas taxas de homicídio entre 2023 e 2024.

Entre cidades menores, Vila Bela da Santíssima Trindade (MT) apresentou salto de 12 para 42 assassinatos em dois anos, associado ao avanço do CV e ao garimpo na Terra Indígena Sararé. Em municípios maiores, Sorriso (MT) registrou 72 homicídios violentos em 2024.

As mortes de mulheres também cresceram: foram 586 vítimas em 2024, taxa de 4,1 por 100 mil — quase 22% superior à média nacional. Para Samira, o enfrentamento exige políticas ajustadas às realidades locais.

“Como você lida com violência doméstica em uma aldeia indígena ou em um município de fronteira sem equipamentos estatais especializados? Temos esse desafio de olhar para as especificidades”, ressaltou.

 

Com Informações da Agência Brasil

Por João Paulo Oliveira, da redação da Jovem Pan News Manaus