O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou, nesta quarta-feira (15/10), um relatório que faz um alerta sobre a situação de vulnerabilidade das crianças Yanomami, resultado direto da invasão garimpeira e da desestruturação dos serviços de saúde nos últimos anos. O documento foi elaborado em parceria com a Hutukara Associação Yanomami (HAY).
Entre 2019 e 2022, período de maior expansão da atividade ilegal, foram registradas 570 mortes infantis causadas por doenças evitáveis e tratáveis, como desnutrição, malária, pneumonia e infecções parasitárias.
O estudo, intitulado “Infância e Juventude Yanomami: O que significa ser criança e os desafios urgentes na Terra Indígena Yanomami”, destaca a necessidade de ações integradas de proteção e políticas públicas específicas para garantir o direito à vida e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes Yanomami.
Emergência em saúde e desassistência
A Terra Indígena Yanomami é a maior do Brasil, com 31 mil habitantes distribuídos em 390 comunidades nos estados de Roraima e Amazonas, totalizando 9,6 milhões de hectares.
O avanço do garimpo ilegal provocou contaminação dos rios por mercúrio, redução da caça e da pesca e o colapso do sistema de saúde. Em 2023, a gravidade da situação levou o governo federal a decretar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no território.
Desde então, foram realizadas mais de 7,4 mil ações integradas contra o garimpo e houve reforço no número de profissionais de saúde na região. No entanto, segundo o relatório, “os desafios permanecem”, principalmente em áreas de alimentação, vacinação e saneamento.
Desnutrição, malária e doenças respiratórias
De acordo com dados de 2022, entre 4.245 crianças Yanomami acompanhadas pelo sistema de vigilância alimentar, 2.402 estavam abaixo do peso. Os casos de malária também cresceram, somando 21 mil registros entre crianças de até cinco anos, número próximo ao acumulado dos dez anos anteriores.
As doenças respiratórias seguem entre as principais causas de morte, com 187 óbitos infantis registrados entre 2018 e 2022. A cobertura vacinal caiu de 82% em 2018 para 53% em 2022, após o enfraquecimento das equipes de saúde.
É um ciclo de adoecimento muito crônico e sistêmico, muito ligado à invasão garimpeira. Onde tem garimpo, tem malária, e isso leva à fome e à desnutrição. As pessoas adoecidas não conseguem caçar, plantar ou cuidar das roças”, explicou a antropóloga Ana Maria Machado, uma das autoras do estudo.
Contaminação por mercúrio e exploração
Laudo da Polícia Federal, de 2022, revelou que os rios Uraricoera, Parima, Catrimani e Mucajaí apresentam níveis de mercúrio 8.600% acima do limite aceitável para consumo humano. Mesmo após a redução da presença de garimpeiros, a substância continuará contaminando a água e os peixes por anos, segundo o relatório.
O estudo também denuncia casos de exploração sexual e aliciamento de jovens Yanomami por grupos criminosos que atuavam nos garimpos, oferecendo dinheiro, bebidas e drogas em troca de trabalho ou favores.
Há relatos de meninas abusadas em troca de pagamentos para si ou suas famílias, e outras em situação de prostituição em troca de comida, em contextos de vulnerabilidade extrema”, descreve o documento.
Juventude e resistência cultural
O levantamento mostra que 75% da população Yanomami tem menos de 30 anos, evidenciando a importância de políticas voltadas à infância e à juventude indígena. Apesar dos desafios, o relatório ressalta que a infância Yanomami também é marcada por liberdade, autonomia e convivência comunitária.
As crianças aprendem com os adultos, participam das atividades da aldeia e crescem em um ambiente de cuidado coletivo, o que é fundamental para sua formação”, destacou o antropólogo Marcelo Moura, coautor do estudo.
Para o chefe de emergências do Unicef no Brasil, Gregory Bulit, o documento deve servir como referência permanentepara governos e organizações.
O objetivo é ajudar gestores e profissionais a compreender as particularidades desse povo e desenvolver políticas que garantam educação, saúde, água limpa e segurança às crianças Yanomami”, afirmou.
Proteção e futuro
O relatório conclui que a proteção territorial e ambiental é condição essencial para a sobrevivência da população Yanomami e recomenda que o Estado e as instituições atuem em parceria com as associações indígenas, ouvindo crianças e jovens sobre seus anseios e projetos de futuro.
É preciso garantir acesso à educação, novas tecnologias e serviços públicos de qualidade, para que as próximas gerações cresçam em um território livre de invasores e com dignidade”, aponta o documento.
Com informações Agência Brasil
Por Karoline Marques, da redação da Jovem Pan News Manaus